quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

INTERIORES

eNTÃO...

Uma senhora de pouco mais de trinta anos faleceu hoje em Marechal Thaumaturgo, interior do Acre, última cidade do Juruá antes da divisa com o Peru. Razão? Uma espinha de peixe parou-se-lhe na garganta. Acontece? Sim e não. Creio que "engasgar" seja enfermidade de diagnóstico fácil. Ficar quatro dias no hospital com a espinha na goela, sem que se consiga retirá-la já me parece fora da realidade tecnológica dos nossos tempos. Não tendo mais recursos locais, a família paga um aviãozinho para levar a mãe e esposa para um centro maior, Cruzeiro do Sul. E o que lá acontece? Não retiram a espinha, mas a empurram mais para dentro. Com isso, cerca de dez dias depois de degustado o bendito peixe, a senhora faleceu. 

Ledores, morrer faz parte e não se pode fugir disso. Que a medicina tenha seus limites e que um deles seja a incapacidade de salvar sempre e de salvar para sempre é um truísmo que devemos aceitar. Porém ainda me choca, vinte e um meses depois, que comunidades grandes, e mesmo pequenas, no interior do Brasil, possam estar tão relegados aos isolamento. Circunstâncias geográficas e escassez de recursos são desculpas aceitáveis, todavia não satisfatórias. Pois se somam àquela que, na minha opinião de cidadão, é a mais grave e mais presente: o descaso governamental.

Primeiro prefeitos que nunca são vistos na cidade. Depois vereadores que se interessam nada por políticas públicas. Tudo isso agravado por dois fatores culturais arraigados fortemente na sociedade local: a resignação que suscita o pior de todos os argumentos ouvidos "sempre foi assim, tem jeito não"; e a corrupção dos eleitores que troca seu foto por pequenos favores e grandes promessas. Explico: pequenos favores seriam sacolões, um caixa de remédios, uma conta de luz paga e congêneres; grandes promessas se encontram na esperança de um emprego, de assumir uma secretaria, de ter salário garantido e algum status social.

Dentro desse esquema, a ordem primeira para quem está no poder é enriquecer e gozar a vida. Órgãos fiscalizadores ficam distantes, nas capitais. Assim, nos interiores, postos e hospitais nunca têm remédios. O tráfego se dá desviando dos buracos, quando não atolando na lama. Alunos estudam numa mesma escola, mas cada turma numa casa alugada em diferentes pontos da cidade. Água tratada? Difícil. Saneamento? Cada um que tenha nos fundos do quintal uma casinha onde depositar seu estrume humano. Acesso: horas num barco ou fortunas num "teco-teco". Comunicação? Rezando para o sinal de telefonia não desaparecer de repente.

Não ledores, a Amazônia brasileira não é assim pra todos e nem em todos os lugares. É assim com os pobres, que são a maioria. É assim com aqueles que moram mais distantes. Mas o que mesmo está perto daqui? Ao menos nossos olhos e corações cristãos lembrem-se com carinho e preocupação deste lugar. Aqui, além de árvores e animais carentes de preservação, também temos gente precisando de dignidade e respeito, educação e cuidado.

Por fim, tal postagem não é desabafo ou algo similar. É apenas produto de um sentimento sem explicação. Deus tenha misericórdia deste mundo tão cheio de pecado. Amém.

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